Por Raíssa Corbal Feitoza
Psicóloga Clínica e Organizacional
Para quem convive com bebês e crianças pequenas (pais/cuidadores e educadores), é possível que já tenha passado por algo do tipo:
As crianças estão ali sentadinhas, brincando… E de repente: Nhac! Uma delas morde, e a outra começa a chorar.
Mas o que significa esse ato de morder?
Para algumas pessoas é uma ação de agressividade pura ou simples falta de disciplina. No entanto, autores que discorreram sobre a infância, e sobre a agressividade infantil, nos trazem outras noções sobre o assunto. Freud, por exemplo, trouxe o conceito de agressividade como algo necessário ao desenvolvimento e como parte constituinte do sujeito. O psicólogo e teórico Levy Vygotsky ressaltou a importância da contextualização do desenvolvimento dessa criança.
Segundo Wallon (apud Rossetti-Ferreira, et al., 2004, p. 24), as atitudes do bebê tomam forma por meio da interação com o outro (pai, mãe, avós, tios, educadores e todos que possam ocupar esse lugar) e do movimento deste, principalmente, quando esse outro completa e interpreta o bebê para o mundo e o mundo para ele. É a tal da contextualização do universo da criança, ou seja, a consideração de que ela está inserida em um meio que ela influencia, e que exerce influência sobre ela.
O ato de morder da criança pode se tornar um sério problema, principalmente quando se torna um ato frequente. No entanto, vale ressaltar a importância de tentar compreender a realidade daquela criança e analisar cada caso individualmente.
Inicialmente, a criança está inserida em uma realidade que envolve sua casa e pessoas conhecidas ao seu redor. Geralmente, familiares. Ao ingressar na educação infantil, ela se depara com um novo ambiente, novas pessoas e a introdução de regras. Da mesma forma que nós, adultos, lidamos com o estresse e a ansiedade diante do que é novo, a criança também passa por essa situação. Com um “porém”, ela ainda está desenvolvendo o seu intelecto e sua linguagem.
Então, como comunicar a todos essa situação?
Para a criança que não adquiriu linguagem verbal, a mordida é um exemplo de uma tentativa de se comunicar. Pode ser uma oportunidade que a criança tem de transformar em palavras aquilo que está querendo dizer. Mais do que uma reação de raiva, as mordidas dadas pelas crianças pequenas, com até 2 ou 3 anos de idade, são uma forma de comunicação e de expressão de sentimentos. Então, a forma que ela tem para se expressar, para se comunicar e interagir com os outros é pelos meios físicos, como: morder, bater, puxar o cabelo. E nem por isso ela deve ser compreendida como agressiva ou sofrer discriminações por ser um mordedor. (Ferreira, 2015).
Além disso, a criança pode estar simplesmente tentando chamar a atenção dos outros. E a mordida é uma maneira de experimentar um novo meio de relação. “Se eu mordo, será que ele (a) vem até mim? Será que me pega no colo? Eu consigo o que quero? ”. Apesar da criança não poder formular as frases e questionar verbalmente, ela percebe que suas ações geram reações. Ou seja, se ela chora, é alimentada ou trocada; se ela aponta, o objeto “chega até ela”.
Mas o que fazer para cessar esse comportamento?
- O ideal é cortar o mau hábito pela raiz. Olhando para a criança, diga “Não!” em um tom de voz firme, mas sem gritar;
- Dedique atenção e cuidados à criança que foi mordida. Se a criança que mordeu for maiorzinha, pelo menos 3 anos de idade, chame-a para que te ajude a cuidar da pessoa machucada. Ela precisa conhecer as consequências dos seus atos;
- Evite que a criança que mordeu seja estigmatizada como ‘a criança mordedora’;
- Se a criança que mordeu for muito pequena (1 a 2 anos) e não puder ajudar a cuidar da criança que ela mordeu, simplesmente afaste as duas. Mas não esqueça de explicar à criança o porquê desse afastamento. Diga-lhe que não é correto morder porque machuca o outro;
- Em hipótese alguma deve-se incentivar a criança mordida a devolver a agressão. Isso apenas incluirá o comportamento agressivo no conjunto de comportamentos pertencentes à essa criança;
- Se deve ter paciência e persistência para educar as crianças que mordem. Elas não aprenderão de um dia para o outro. Os pais devem repetir e repetir que MORDER NAO É BOM;
- Se a criança persistir em morder aos outros, não a leve nos braços nem brinque com ela por uns 5 minutos, após ela ter mordido. Assim a ensinará que ela não será recompensada pelo ato de morder.
É importante ensinar e estimular a criança a se comunicar de outras formas, como através de brincadeiras, desenhos, jogos. À medida que a criança vai crescendo e desenvolve seu vocabulário, é essencial que ela seja ensinada a se expressar, a verbalizar seus sentimentos e emoções, boas e ruins, de modo a aprender que essa é a maneira correta de ter uma atenção positiva das outras crianças e dos adultos. Cabe aos adultos, consequentemente, prestarem atenção à criança quando ela solicitar esse momento para se expressar. Algumas perguntas, como as listadas abaixo, podem ajudar a conduzir esse processo de “se expressar e refletir”:
- Porque você mordeu “fulano”?
- Porque ele pegou seu brinquedo?
- Como isso fez você se sentir? Feliz? Com raiva?
- Você sentiu muita raiva ou só um pouquinho?
- Sempre que você sente raiva, tem vontade de morder?
- Depois que você morde, a raiva vai embora?
- Quando a raiva é pequenininha, o que você faz?
- Você acha que ele gostou de ser mordido?
- E se em vez de morder, você disser para ele que está muito bravo, com muita raiva porque ele pegou seu brinquedo, você acha que também não ajuda a passar a raiva?
- Se acontecer de novo, você não quer experimentar falar a ele?
Com isso, vale ressaltar que, na maioria das vezes, a mordida faz parte do desenvolvimento natural da criança. Mas em alguns casos, se este comportamento ocorre com frequência, ele pode sinalizar um problema de ordem emocional. A criança pode estar insatisfeita, ansiosa com alguma mudança ocorrida no contexto familiar ou escolar, com sentimento de rejeição ou tentando chamar a atenção através da agressividade. Quando isso acontece, a família e a escola precisam acompanhar de perto e com atenção para descobrir as possíveis causas, e, dependendo do caso, é importante buscar a ajuda de um profissional, como o psicólogo.
Referências bibliográficas
FERREIRA, S. P. A.; NÓBREGA, I. S. S. A Mordida na Creche: quais os significados dessa expressão infantil? II Congresso Nacional de Educação. S/D.
ROSSETTI-FEREEIRA, M. C.; AMORIM, K. de S.; SILVA, A. P. S. da; CARVALHO, A. M. A. Rede de Significações e o estudo do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.